Atendendo a pedidos, darei uma nova receita - tal como a
primeira - com apenas 30 lições, para aqueles que gostariam de fazer parte de outro dos mais fechados grupos da arquitetura paulista (digo, paulistana). É importante que se tenha em mente, que o não cumprimento de alguns quesitos, exclui completamente os candidatos. Então, vamos lá, do começo:
1. Você precisa nascer em uma família de origem judia (pelo menos classe média!); esta situação financeira lhe ajudará a passar anos e anos na pendura; se por acaso você nasceu no Bom Retiro e não em Higienópolis, terá que ter talento dobrado; agora se seus pais forem intelectuais, vá direto para o item 4;
2. Você precisa ser um filho judeu clássico (às claras, drogas não são permitidas), um aluno mediano, fazer inglês e saber um pouco de tudo; enfim, ser meio enfadonho (pensando o quê, o parnaso tem seu preço!);
3. Você precisa estudar em uma escola que condiz com as regras 1 e 2; lógico que alguma da colônia!;
4. Você precisa entrar no Mackenzie; em qualquer outra escolha, você está excluído do jogo;
5. Na faculdade, faça o gênero "sou-diferente: só-visto-preto"; não se misture com outros alunos que não se encaixam neste perfil; atraia os colegas parecidos com você que serão muito importantes no futuro, pois serão seus sócios (ou coisa assim...). Se você tiver sorte, sua geração será precedida de um vazio histórico e aí você terá mais chance; caso contrário, poderá ser engolido pela geração mais velha;
6. Na hora de arrumar um trabalho (sim, ele é necessário!), procure um arquiteto que se encaixa no seu gênero. Existem poucos exemplos: na verdade, só o Aurélio pode lhe moldar! (o Ugo, nem pensar, você quer ser excluído do jogo?); atenção: só faça estágio no escritório do Jacob para você, no futuro, renegar que você copiou tudo do Aurélio; assim, poderá dizer com a maior cara lavada "devo tudo ao Jacob!", apesar de nada dever;
7. Se por sorte você tiver autocrítica e perceber que não será bom arquiteto, assuma a lojinha da família e, quando estiver bem rico, encomende uma casa o colega que "deu certo";
8. Não esqueça seus sonhos de consumo, sua vida não será difícil (o dinheiro da família ajuda!)mas vai demorar quase duas décadas para você realmente ganhar dinheiro com o que faz;
9. Use sempre roupas preto: só desista desta moda quando ela cair "na boca do povo";
10. Vida sexual: em seu meio, a família é moralista; ou seja, disfarce;
11. Não perca tempo com um estágio no exterior;
12. Depois de aprender tudo com seu mestre, abra seu escritório e leve consigo toda a lógica (e alguns clientes, claro);
13. Enfrente a dureza econômica com brio: afinal, a família e o casamento ajudam!
14. Nada de entrar em concurso de arquitetura, heim? Seu negócio são as artes plásticas! Você é um verdadeiro artista! Tudo bem, são maquetes, mas é arte conceitual mesmo...;
15. É necessário fazer algum projeto de pequeno porte: serve a casa de um amigo, primo, da tia ou do papai; não importa. Conte com a colônia! Estes são os projetos da sua vida, sem eles você não será nada! Se não realizar, está fora do jogo; não esqueça de pensar nos efeitos de fotografia que você vê nas revistas estrangeiras. Isso também é imprescindível. No começo, aposte na espacialidade do Aurélio e no branco, claro! Depois, invista nos revestimentos 'inusitados';
16. Com a obra concluída, procure o pessoal da Vogue - lá, você será eternamente "o queridinho". Confie neles - mesmo se a obra não é grande coisa - pois eles saberão lhe promover durante mais de três décadas;
17. Nada de procurar uma revista de arquitetura nacional destas tradicionais heim? Primeiro, pois eles não irão lhe dar a mínima bola mesmo (você será tachado de 'decorador' por muitos anos); depois, pois não dá nenhum resultado prático, ou seja financeiro: ninguém que lê uma revista desta interessa;
18. Repita as operações 15 e16 algumas vezes, pelo menos uma vez por ano.
19. As operações 14 e 18 irão lhe ajudar a ser lembrado pelo pessoal da colônia e o mundinho fashion: eles lhe darão mais e mais serviço; se essa ajuda vier do ramo familiar, melhor; isso é importante para qualificar sua obra com um apelo “fashionista”; depois de algumas lojas na Oscar Freire, com certeza a coisa irá mudar! Inscreva seus projetos no prêmio do IAB e na bienal: a baixa qualidade da concorrência aliada ao hedonismo velado do júri lhe garantirá bons resultados;
20. Depois disso, procure, com boas fotos, alguma revista internacional: qualquer uma, não precisa ter muito prestígio: as imagens são sedutoras, não será difícil emplacar. Mas pode escrever: um dia você chega na Wallpaper!;
21. Para tornar-se mais cult, diga também que você é cineasta e chame seu melhor amigo para dirigir um longa; o filme será chatíssimo (a sorte é que ninguém assistirá!), mas irá servir para aglutinar sua imagem de artista;
22. Para ajudar o item 21, continue a fazer exposições de "artes plásticas" (aquela das maquetinhas); terá um custo alto, pois é você quem paga a conta, mas, vai que um dia você termina na bienal, heim?;
23. Casamento: como manda o figurino do mundo religioso, você terá que passar por isso. Depois de velho, esqueça;
24. Moradia: vá morar em Higienópolis, de preferência em um apartamento de 400 metros quadrados. Mas, se alguém perguntar, diga que é Santa Cecília, heim? É mais cult!;
25. Escritório: alugue uma casa nos Jardins. Nada de Vila Madalena ou General Jardim, heim?
26. O item 20 lhe ajudará com possíveis clientes no exterior - pode ser uma casa, um restaurante, qualquer coisa. O que você fará, pela falta de consistência, não terá nenhuma repercussão, mas servirá ao menos para você ter a impressão de que "agora chegou minha vez!";
27. Se a coisa estiver feia, você não precisa aceitar nenhuma encomenda imprópria, pois a retaguarda é grande;
28. Como quem não quer nada, programe um grande livro sobre sua obra (ainda não saiu!) mas, quando ele estiver pronto, apareça no lançamento inventado por você como se não tivesse nada a ver com aquilo. “Me escolheram!”, tem que ser a expressão da sua face.
29. Não ligue para as críticas de que sua obra e a de seu melhor amigo “parece tudo igual” ou é obra de “um só escritório”. Sua ficha vai cair só no futuro;
30. Também não ligue para quem diz (mas não escreve) que você, no fundo no fundo, é um decorador, e que o outro amigo branco sim, é que é um arquiteto!
E, por fim, uma dica importante: ignore tudo o que está escrito nos blogs por aí, eles não sabem o que dizem; e não responda nunca - como você já fez! -; será sinal de fraqueza.
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