Será que é o mesmo lugar?
"De onde dá para se ir, no Arpoador, aquele edifício pó de pedra, era o único que driblava o gabarito de quatro andares (isso, como tudo mais, nunca ficou claro), até a subida da Niemeyer, é uma jaula só. Pobres ricos, pobres elite, pobres classes dominantes: tudo vivendo atrás de grades, guardadas por nordestinos incompetentes com calsa azul-marinho e camisa branca puídas. Vizualizo as classes abastecidas, à noite, uivando em seu cativeiro. Os porteiros fingindo não ouvir, afiando suas peixeiras.
Teve o muro de Berlim, há a menos divulgada muralha erguida por Israel e a ainda invisível Barreira da Orla Marítima Carioca."
Esse é um fragmento do texto Eu conheço esse cara, de Ivan Lessa, na revista piauí, n°1, uma das melhores coisas do mais aguardado lançamento editorial do ano. O texto é um retrato preciso, tipo "olhar estrangeiro", só que mais cruel pois foi realizado por um ex-nativo, depois de 28 anos (seis meses e sete dias!) vivendo em Londres. Muito diferente da visão inglesa oba-oba, 'caipirinha mais liberdades sexuais', da Wallpaper (cuja capa de junho de 2006 ilustra o post).
A piauí, inspirada na The New Yorker, promete, para os próximos números, uma seção chamada Urbanismo e Arquitetura. No site, eles explicam que a seção tratará do " que ocorre de novo (de intrigante, de inteligente, de boçal, de curioso, de mistificador) nas paisagens das metrópoles brasileiras."
Na fonte inspiradora da piauí, o tema sempre foi tratado com qualidade. Lá, a seção chama-se The Sky Line, que já foi assinada por Lewis Munford, e hoje é de responsabilidade de Paul Goldberger, ex-crítico do NYT. Bom, mesmo que de raspão, o início com Lessa é muito bom. Enquanto eles não inauguram a seção, mais um trecho de Eu conheço esse cara:
"Mais uma vez, antes de me mandar, peço para ver os edifícios de nossa orla marítima. Quero guardar na retina e nos ouvidos o doudo vernáculo arquitetônico, por trás das grades, deblaterando em suas jaulas, falando em línguas. O preciso equivalente à menina do Exorcista, quando tomada pelo demônio Pazuzu. Edifícios que dão uma volta de 360° na cabeça, viram os olhos para dentro, ficam verdes, e vomitam na cara dos turistas."
Marcadores: Ivan Lessa, Lewis Munford, Paul Golberger, Revista piauí, The New Yorker, Wallpaper
6 Comments:
Se Ivan Lessa é o melhor de Piauí e ao rever a paisagem carioca não consegue ir além de um "a culpa é da zelite", encontrado de soslaio nas entrelinhas de seu testemunho, imagino o restante.
Oi Chistian, vale ler o texto do Lessa e o restante da revista: vá até a banca mais próxima e gaste míseros 7,9 reais.
Tem um relato do desaparecimento do engenheiro no Iraque, tem um ensaio sobre o papagaio ('símbolo nacional'), tem um texto da Danuza Leão sobre o estilista Guilherme Guimarães (quem?) que é ótimo etc...
O texto do Ivan Lessa já vale o preço da revista .
Sim, Peri. É muito curioso ver como alguém, tal como o Ivan Lessa, observa o Rio depois de tantos anos: quantas expectativas frustradas, quantas decepções...Tudo mudou: o Rio e ele.
A melhor análise : quem o viu , e muito tempo depois , quem o revê .
Peri, como dizia minha vô, "o tempo é cruel"...
Postar um comentário
<< Home